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Análise de Risco Quantitativa

A Gestão de Risco, em seus aspectos quantitativos e psicológicos, destaca-se como uma atividade complexa e importantíssima, envolvendo fatores delimitados pelas regras de cada mercado, e também fatores como a existência de instrumentos financeiros capazes de proporcionar hedge aos agentes, contando com inúmeras métricas para subsidiar a tomada de decisão.

 

A Análise de Risco compõem-se “basicamente” da busca de 2 (duas) informações: a chance (probabilidade); e o impacto (valor monetário) de eventos desfavoráveis e/ou favoráveis. Toda vez que se está trabalhando com Risco é importante ter-se em mente estas duas dimensões.

 

De forma simplificada pode-se dizer que a Análise de Risco é uma Tomada de Decisão sob Incerteza.

 

Seguindo-se a linha da análise tradicional do Mercado Financeiro podemos exemplificar, através da Figura 1, a Taxonomia da Análise de Risco.

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FIGURA 1 – Taxonomia da Análise de Risco Financeira.

Entre as variáveis que impactam no cálculo das métricas de risco associadas a um Portfólio de energia, temos como exemplo: demanda; PLD; Curva Forward; tipo do contrato (Fixo, Prêmio, Swap); etc. Apesar da quantificação do risco de uma carteira de comercialização ser uma tarefa que necessita de um pouco de arte (bom-senso) tanto quanto de ciência, a Análise de Risco Quantitativo é imprescindível para a segurança da empresa e para o estabelecimento de estratégias adequadas para a tomada de decisão.

 

Uma das métricas de risco muito utilizadas, que auxiliam na Tomada de Decisão, é a Variância. A Variância de uma distribuição de Lucros/Perdas mede o “espalhamento” (dispersão estatística) dos Lucros/Perdas em relação ao Valor Esperado (média) da Distribuição. Esta é a tradicional Análise Risco x Retorno (desvio-padrão x valor esperado dos retornos) criada por Markowitz em 1952, tendo o mesmo sido agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 1990.

 

Uma das primeiras tentativas de quantificar o trade-off entre risco e retorno esperado foi de Markowitz no início dos anos 50 em seu trabalho de Doutorado na Universidade de Chicago. O tópico era tão novo que, enquanto Markowitz defendia sua tese, Milton Friedman argumentou que sua contribuição não era da área econômica (Harry M. Markowitz – Nobel Prize Lecture: Foundations of Portfolio Theory, December 7, 1990).

 

Outros profissionais aproveitaram o caminho aberto por Markowitz e avançaram nas análises de risco para portfólios financeiros. Sharpe em 1964, desenvolveu o que é conhecido atualmente como CAPM (Capital Asset Pricing Model). O CAPM demonstra a relação entre o retorno esperado e o “risco sistemático”. Por exemplo, imagine que um investidor comprou hoje uma ação no valor de $ 100,00 que paga um dividendo anual de 3%. A ação tem um beta comparado ao mercado de 1,3 (essa empresa apresenta um risco maior do que um portfólio de mercado). Supondo que a taxa livre de risco é de 3% e este investidor espera que o mercado suba em 8% ao ano, então o retorno esperado da ação com base na fórmula CAPM é de 9,5%.

 

Como alternativa ao CAPM, foi desenvolvida por Ross em 1976 a APT (Arbitrage Pricing Theory). Diferentemente do CAPM, que presume que os mercados são perfeitamente eficientes, a APT assume que o mercado, às vezes, pode precificar um ativo financeiro de forma errada, alguns períodos de tempo antes que o mercado eventualmente corrija o engano e os títulos retornem à um valor justo. Usando o APT, os “arbitradores” (aqueles que tomam a decisão) esperam tirar proveito de quaisquer desvios do valor justo de mercado. No entanto, esta não é uma operação sem risco no sentido clássico do uso da palavra “arbitragem” no mercado financeiro.

No final dos anos 70 e 80, várias instituições financeiras importantes começaram a desenvolver métricas de risco para medir e agregar os riscos de todos os negócios em que a firma estava envolvida. Durante o desenvolvimento destas métricas, evolui de forma gradual, um consenso entre as instituições de que a principal métrica a ser perseguida era uma métrica que mostrasse a probabilidade de perdas para todos os negócios de toda a empresa. Isso deu origem à noção de valor em risco (ou VaR-Value at Risk). Essa métrica permitiria às empresas obter uma melhor percepção de seus riscos globais e otimizar a alocação mais racional do capital nas diversas linhas de negócios.

Conforme Kevin Dowd (K. Dowd, “Measuring Market Risk”, 2nd Edition, Wiley, 2005):

 

  • O mais conhecido desses sistemas foi desenvolvido pelo JP Morgan. De acordo com a lenda do setor financeiro, esse sistema se originou quando o presidente do JP Morgan, Dennis Weatherstone, pediu à sua equipe um relatório diário de uma página indicando risco e perdas potenciais nas próximas 24 horas, em toda a carteira de operações do banco. Este relatório - o famoso "relatório de 4:15" - era para ser entregue ao presidente às 4:15, todos os dias, após o fechamento do pregão. Para alcançar este objetivo, o pessoal da JP Morgan teve que desenvolver um sistema para medir os riscos em diferentes posições de negociação, em toda a instituição, e também agregar esses riscos em uma única medida de risco. A medida usada foi o valor em risco (ou VaR), estimado a partir de um sistema baseado na Teoria Portfólio padrão, usando estimativas dos desvios padrão e correlações entre os retornos para diferentes instrumentos negociados.

Embora a teoria fosse simples, tornar operacional esse sistema envolvia uma enorme quantidade de trabalho: as bases de dados tiveram que ser construídas; muitos cálculos adicionais tiveram que ser convencionados; ferramentas computacionais tiveram que ser desenvolvidas para realizar os cálculos; e muitos outros problemas práticos tiveram que ser resolvidos. O novo sistema de risco foi apresentado na Conferência de Pesquisa anual do JP Morgan em 1993, e despertou grande interesse de potenciais clientes que desejavam comprar ou pagar uma utilização do sistema para  realizar seus próprios cálculos (K. Dowd, “Measuring Market Risk”, 2nd Edition, Wiley, 2005).

 

Esta foi a primeira vez que o VaR tinha sido apresentado de forma pública, além da órbita de um pequeno grupo de analistas quantitativos. Dois anos depois, este novo sistema de Análise de Risco desenvolvido pelo JP Morgan foi lançado como um negócio independente com fins lucrativos, o RiskMetrics Group Inc. Em 2010, o RiskMetrics Group Inc. foi adquirido pelo MSCI Inc. (NYSE: MXB), um dos maiores líderes globais de ferramentas de suporte a decisões de investimentos, por aproximadamente U$1.55 bilhões.

 

O cálculo do VaR (Value at Risk) é realizado da seguinte forma: dada a distribuição de Probabilidades dos Lucros/Perdas do negócio em análise, podemos calcular o valor da abscissa que determina, por exemplo, um valor de área à direita, na curva de distribuição de probabilidades, de 95%. Esse valor de abscissa seria o VaR95%. Em outras palavras, o valor de abscissa VaR95% determina que a probabilidade de ocorrer retornos maiores ou igual ao VaR95% é de 95% de chance (Figura 2). E que a chance de ocorrer perdas maiores do que o valor de abscissa VaR95% é de 5%.

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FIGURA 2 – VaR.

Conforme Damodaran (Aswath Damodaran, "Strategic Risk Taking: A Framework for Risk Management", 1st Edition, August, 2007):

 

  • Embora o termo “Value at Risk” não tenha sido amplamente utilizado antes de meados da década de 1990, as origens da medida recaem num tempo bastante remoto. As matemáticas subjacentes ao VaR foram amplamente desenvolvidas no contexto da Teoria dos Portfólios por Harry Markowitz e outros, embora seus esforços tenham sido direcionados para um fim diferente - criar Portfólios ótimos para investidores em ações. Em particular, o foco nos riscos de mercado e os efeitos das operações nesses riscos são centrais para o cálculo do VaR.

Embora o VaR seja uma das métricas de risco mais populares e utilizadas, ela não apresenta nenhuma informação sobre a cauda da distribuição. Esta é uma das principais críticas à métrica VaR. Por exemplo, dois Portfólios podem ter exatamente o mesmo VaR de α%, mas distribuições muito diferentes além do nível de confiança de α%, conforme Figura 3.

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FIGURA 3– Comparação entre duas Distribuições de Probabilidade com mesmo VaR e CVaR diferentes. 

Fonte: (A. Street, “Equivalente Certo e Medidas de Risco em Decisões de Comercialização de Energia Elétrica”, Doutorado em Engenharia Elétrica, PUC-RJ, 2008.).

Para responder às críticas feitas ao VaR foi criada a métrica CVaR (Conditional Value-at-Risk), também conhecida como “Expected Shortfall”. Essa métrica é uma avaliação de risco que quantifica o valor esperado do déficit que o Portfólio possui. O CVaR é a média ponderada das perdas “extremas” na cauda da distribuição dos retornos possíveis, além do ponto de corte do valor em risco (VaR).

 

Se a Função Densidade de Probabilidade do Lucro/Perda de um Portfólio for dada por f(x) e o VaR é o valor da abscissa no nível de confiança de α%, então o cálculo do CVaR é o seguinte (M. B. Miller, “Quantitative Financial Risk Management”, Wiley, 2019.):

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A característica mais importante sobre a medida CVaR é ela ser uma métrica de risco coerente, ou seja, ela possui a propriedade de subaditividade. A subaditividade é basicamente uma maneira sofisticada de dizer que, o “risco” de dois Portfólios após eles terem sido agregados não deve maior do que a soma dos “riscos” individuais (John C. Hull, “Risk Management and Financial Institutions”, 5th Edition, Wiley, 2018).

 

Como exemplo a Figura 4 apresenta um pequeno problema para demonstrar os cálculos relacionados ao CVaR. Imagine que um determinado Portfólio de Ativos de Energia Elétrica tem uma Função Densidade de Probabilidade dos Lucros/Perdas de forma triangular, conforme Figura 4.

FIGURA 4 - CVaR.jpg

FIGURA 4 – Função Densidade de Probabilidade dos Lucros/Perdas. 

Fonte: (M. B. Miler, “Quantitative Financial Risk Management”, Wiley, 2019).

Logo, o VaR95% = -6.84. Para o cálculo do CVaR95% da Figura 4, como a distribuição de probabilidades para a variável contínua π é uma Função Densidade de Probabilidade deve-se usar a seguinte Fórmula:

equacao do CVaR - 2.jpg

Então o CVaR95% é um valor esperado de perda de 7.89. Veja que o CVaR95% é maior do que VaR95%, o que é intuitivamente razoável. Vê-se que o CVaR95% não é um valor de abscissa, assim como é o VaR95%. O objetivo principal do CVaR é quantificar o valor esperado das perdas ao qual a empresa pode estar submetida, considerando que a empresa determinou um nível de confiançade 95%. A Figura 3 ilustra bastante bem o conceito do CVaR. Vê-se na Figura 3 que as duas distribuições de probabilidades têm o mesmo VaRα%, mas possuem CVaRα% diferentes.

 

Os Gestores de Risco sempre querem saber o máximo possível sobre a cauda da distribuição. O CVaR traz alguma informação sobre isso, mas é uma medida mais sensível aos valores da cauda da distribuição, tornando-a potencialmente instável aos valores dos “outliers” e fazendo com que os valores para o CVaR percam um pouco de significado prático para diferentes Distribuições de Probabilidade. O VaR, em compensação, não nos diz nada sobre a forma da cauda, mas é mais robusto para os “outliers”. Os Gestores de Risco devem, de forma imprescindível, entender esses “tradeoffs” entre as várias métricas de risco (M. B. Miller, “Quantitative Financial Risk Management”, Wiley, 2019).

 

Vale a pena ressaltar que a grande popularidade da métrica CVaR, de certa forma, é devida à propriedade de subaditividade, fazendo com que essa métrica pode ser linearizada e introduzida em problemas de otimização que os especialistas procuram resolver através de técnicas de Programaçao Linear. Caso os especialistas utilizem outras técnicas de solução de problemas de otimização, tais como, as técnicas Metaheurísticas, eles não estarão limitados somente à métrica CVaR.

 

Para suplantar as deficiências apresentadas pelas métricas VaR e CVaR foi apresentado no trabalho de M. Dantas (M. Dantas, “Análise de Risco para Portfólios de Comercialização de Energia Eólica em Base Horária”, TCC Curso de Graduação de Eng. Civil, POLI-UPE, 2019) uma nova proposta de métrica de risco, batizada de Multi Value at Risk (MVaR), ou múltiplas medidas de valores em risco. Esta métrica encontra-se fundamentada na realidade encontrada nas Comercializadoras de Energia Elétrica no Brasil. Considera-se que esta seja uma métrica de risco vantajosa também para várias outras empresas cuja tomada de decisão tenha relação com finanças e suas incertezas associadas.

Essa métrica foi criada com o intuito de ajudar na tomada de decisão de forma prática e objetiva, almejando minimizar e/ou descartar riscos que possam comprometer a saúde financeira da empresa e facilitar as escolhas na tomada de decisão. Ela serve como uma análise que já complementa as outras formas de análise de risco existentes, visando agregar uma perspectiva completa para a tomada de decisão da empresa.

A MVaR tem como base conceitos essenciais das tradicionais e referenciadas métricas de risco VaR e CVaR. O seu diferencial está na forma de aplicação, que envolve tanto fatores ligados à realidade da empresa, assim como compara o valor esperado de perda com a probabilidade dos possíveis ganhos. Isso traz uma reflexão da importância da análise de comparar riscos de magnitude alta versus os ganhos esperados, que, em certas situações, podem não “compensar”, dependendo do apetite de risco da empresa.

A métrica MVaR, como o próprio nome indica, é composta de vários níveis de restrições encadeados, de forma a que para atender a métrica MVaR completamente, uma determinada estratégia de comercialização, tenha que passar pelos 3 níveis de restrições existentes.

A primeira restrição dentro da metodologia MVaR é analisar qual a maior perda à qual a empresa está. Pode-se, por exemplo, considerar-se como restrição que a máxima perda equivalerá, no máximo, à metade do caixa da empresa. Este parâmetro pode ser exemplificado na Equação (1).

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Isso garante que, mesmo em situações excepcionais, em que a probabilidade do pior cenário ocorrer seja de menos de 0,1%, a empresa esteja blindada para lidar com esses imprevistos e possa continuar a operação de forma financeiramente viável. Caso o valor ultrapasse 2, o MVaR já sinaliza aos tomadores de decisão que o 1° critério da métrica está sendo violado, e a operação não é aceita.

Dentro dessa primeira restrição, é válido considerar que, o fator “Caixa Da Empresa” pode ser substituído por “Valor Máximo Permitido Pela Área Financeira”.

Após a estratégia de Comercialização ter passado pela 1a valoração de risco do MVaR, tem-se a segunda restrição: o valor esperado do ganho dever ser igual a “ɛ” vezes o valor esperado da perda. O que levou a criação dessa segunda restrição é perceber que é indispensável não só usar como parâmetro determinante as probabilidades de perda, mas também relacioná-la diretamente com os possíveis retornos que fariam valer a pena a estratégia de tomada de risco.

Essa 2a valoração assemelha-se à medida Ômega, proposta por Keating e Shadwick (C. Keating, and W. Shadwick, "Universal Performance Measure", Journal of Performance Measurement, Spring 2002).

Pode-se considerar “ɛ” igual à no mínimo 3. Exemplificando na Equação (2):

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Finalmente, o terceiro e último parâmetro a ser considerado, após passar pelas 1a e 2a restrições, consiste em decidir qual operação será mais vantajosa e lucrativa para a empresa.

Para exemplificar a 3a restrição da métrica MVaR, estão apresentadas na Figura 4, três Distribuições de Probabilidade para 3 estratégias de negócios diferentes, que já satisfazem as 1a e 2a restrições da MVaR.

Evidentemente, o Negócio 3 (N3) é a melhor estratégia de todas. Pois, ao compará-lo inicialmente ao Negócio 2 (N2), percebe-se que suas receitas mínima e máxima são maiores, possibilitando resultados mais altos. Seguindo a mesma lógica, ao comparar o N3 com o Negócio 1 (N1), constata-se que suas receitas mínimas são iguais, mas a receita máxima do N3 continua sendo a maior.

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FIGURA 5 – Distribuições de Probabilidade para 3 negócios diferentes.

Contudo, essa tomada de decisão pode se tornar mais complexa em uma situação como a ilustrada na Figura 5, em que não há uma “melhor” operação, pois, a decisão dependerá da metodologia da empresa. Na Distribuição N1 tem-se valores menores (8.0 <= Receita <= 16.0) com probabilidades maiores. Na Distribuição N2 tem-se um grande range de valores de receitas possíveis (-2.0 <= Receita <= 32.0) com probabilidades menores.

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FIGURA 6 – 3ª Restrição da Métrica MVaR.

Neste caso de comparação, entre as estratégias de negócios N1 e N2 da Figura 6, volta-se à frequente questão do apetite ou aversão para o risco. Ou seja, a decisão do melhor negócio, dependerá inteiramente do perfil de risco da firma.

Logo, a 3ª Restrição da MVaR é definida da seguinte forma:

Se [ (Área A2 ) for maior do que 70% ]  &  [ ( Área A1 ) for menor do que 5% ], Então:

o Negócio N2 é superior ao Negócio N1.

 

Onde:

Área A2 = Probabilidade (Receita Máxima N1 <= N2 <= Receita Máxima N2)

Área A1 = Probabilidade (Receita Mínima N2 <= N2 <= Receita Mínima N1)

A Área A2 da Figura 6, representa a área entre o maior valor de ganho das duas empresas, assim como a Área A1 é a área entre o menor valor de ganho (ou pior perda). Ademais, 70% e 5% são definidos pela própria empresa, conforme seu apetite ao risco, e podem variar no tempo conforme os seus próprios interesses.

Para o caso da Figura 7, analisando-se a 3ª Restrição da MVaR, fica claro perceber que o negócio N3 é melhor do que o N2.

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FIGURA 7 – Distribuições de Probabilidade para 2 negócios diferentes.

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